Wednesday, November 08, 2006

Entrevista com César Benjamim


Eu sempre digo que sou anarquista, ao contrário de meu amigo Groucho que hora é anarquista, hora de direita. De certa forma é natural: a direita prega o estado mínimo, assim como a anarquia. Eu sou mais objetiva: se há um governo, eu sou contra. Por isso me dou o luxo de admirar e esculhambar pessoas de todas as tendências. Não concordo com Cesar Benjamim em tudo, mas sei que ele é honesto, culto, educado, inacapaz de mentir ou mesmo cometer erros de português. Eu o admiro profundamente, mesmo discordando muito dele...
Vejam abaixo trechos de uma entrevista dele onde ele deixa claro quem é Lula e o que é o Pt atual. A íntegra pode ser encontrada no link no final.

ÉPOCA – Você foi fundador do PT e um dos quadros mais importantes até 1995, quando deixou o partido por discordar do financiamento da campanha de 1994. Como foi isso?
César Benjamin - Em 1994 eu ingenuamente propus que abríssemos nossas contas e pedíssemos aos demais candidatos que fizessem o mesmo por uma questão de transparência diante da opinião pública. Sempre caía no vazio. Até que uma vez o próprio Lula disse que nós não faríamos isso, como quem diz: 'Muda de assunto'. Depois da campanha, vieram à luz financiamentos de bancos e empreiteiras que nunca haviam sido discutidos na direção nem do partido nem da campanha. Eu era da direção de ambos e não sabia. Isso me alertou sobre o que estava acontecendo. Eu achava que um partido como o PT não podia tolerar uma prática deste tipo.

ÉPOCA – Para você, naquele momento já havia evidências de corrupção?
Benjamin - Havia uma claríssima evidência de prática sistemática de caixa dois. Eu tentei discutir isso na direção. Estavam amedrontados porque era o grupo do Lula e do Zé Dirceu, duas figuras da maior presença. Eu achei a questão tão grave que resolvi levar ao encontro nacional do partido, no Espírito Santo, onde havia de 600 a 800 delegados. Fiz um pronunciamento da tribuna, alertando o partido sobre a gravidade do que estava acontecendo. A plenária era um retângulo, a mesa na frente. Comecei a falar, usei a expressão de que estávamos diante do ovo da serpente e que o partido claramente tinha de ter consciência do perigo representado pelo que estava ocorrendo. Eu estava falando e vi o Zé Dirceu levantar-se e ficar de frente para o plenário e de lado para mim. Eu continuei falando e o vi fazendo movimentos diante do plenário. Em seguida houve uma troca de gestos entre ele e alguns delegados do ABC (paulista). Este grupo se levantou e partiu para cima de mim para interromper pela força o meu pronunciamento.

ÉPOCA – Na porrada? Quem eram?
Benjamin – Eram umas 20, 30 pessoas. Vieram para me dar porrada. Meus amigos levantaram, foi uma confusão. A convenção foi interrompida. Lembro que se juntou a este grupo o (Antônio) Pitanga, do Rio, marido da Benedita (da Silva, ex-ministra), mas era um grupo de Santo André. Olha Santo André aparecendo aí.

ÉPOCA – Emblemático, né?
Benjamin – É. Na seqüência eu fiz minha carta de desfiliação porque estava sendo eleita a nova direção nacional e o Zé Dirceu era candidato a presidente, trazendo consigo as figuras lombrosianas que vinham do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador)… essas figuras que estão hoje nos jornais. Até onde eu sei este tipo de prática começa no início dos anos 90 na gestão do FAT, quando o Delúbio Soares era o representante da CUT no FAT. Começa então um zum-zum sobre desvio de recursos do FAT, mas ainda meio longínquo, que não estava claramente dentro do PT. Mas já tinha uma relação com a Articulação, que é o grupo do Lula dentro do PT. Era contra isso que eu estava protestando. Delúbio, Silvinho (Pereira). Me desfilio no momento que esse grupo entra na direção nacional. Um grupo sem nenhuma luz própria. Nenhum deles diz 'a' com 'b'. São trazidos pelo Lula e pelo Zé Dirceu, ocupam a direção, e para mim fica claro que há uma transformação qualitativa no PT.

ÉPOCA – Enquanto você levava porrada, o Lula fazia o quê?
Benjamin - Ele estava lá, mas não participou evidentemente desta tropa de choque. Também não impediu. Eu me desliguei do partido porque ficou claro que havia um aval do Lula e do Zé Dirceu para que esta prática se difundisse dentro do PT. O Lula vem sustentando a tese de que foi traído, que não sabia de nada. Isso poderia ser verossímil se nós estivéssemos diante de um caso isolado. Eventualmente um chefe de governo pode ser surpreendido por uma decisão intempestiva, errada, de um subordinado. O que está aparecendo agora não é isso. Meu testemunho é muito claro sobre isso. O que aconteceu foi a aplicação no âmbito do governo federal de práticas que existem há 15 anos dentro do PT e da CUT - sempre dentro do círculo mais íntimo do Lula.

ÉPOCA - Por isso você é um dos poucos brasileiros que não está perplexo…
Benjamin - Não estou perplexo porque foi por isso que saí do PT há 10 anos. Quando ganharam o governo federal transportaram o mesmo esquema e o mesmo grupo. Só que numa escala muito maior, esquecendo que o governo federal é uma instância diferente de uma direção partidária. Direção partidária é muito mais protegida, é quase uma entidade privada. O governo federal é o centro das atenções da nação. Aumentaram muito a escala, estavam operando com muita gula, havia gente incomodada. Estenderam as linhas mais do que seria sustentável. O que eu estou insistindo é que isso é uma prática sistêmica. E longa.

ÉPOCA – Neste sentido, o que é essa dobradinha Lula-Zé Dirceu que o governo tenta separar a todo custo agora?
Benjamin - Um precisou do outro. O Zé Dirceu tem formação como quadro de esquerda e precisou do Lula para o projeto de chegar ao governo federal. E o Lula precisava do Zé Dirceu como um organizador. Se estabeleceu uma relação de simbiose. Qualquer um que conhece os dois sabe do seguinte: Delúbio Soares não fez nada que não seja autorizado pelo Zé Dirceu. E o Zé Dirceu não autorizou nada que o Lula não tivesse conhecimento. Qualquer um que tenha convivido com eles sabe qual é a cadeia de comando.

ÉPOCA - O Lula manda..
Benjamin - O Lula manda. Quando o Lula diz agora que não sabia de nada eu poderia acreditar se tivesse sido um episódio infeliz. Mas passar 10, 15 anos no mesmo grupo e dizer que não sabe de nada é um pouco demais para a minha parca inteligência.

ÉPOCA – Você fala que o PT se pretendia o partido original e, agora, na refundação, fala em voltar ao partido original. O Lula seria o homem original? Foi este o fascínio?
Benjamin - A sociedade brasileira chegou a um momento de sua história em que o povo tem de ser protagonista. Se a gente olhar pra trás, a formação do povo brasileiro é muito recente. Talvez a primeira luta verdadeiramente nacional tenha sido a abolição da escravatura, 120 anos atrás. O povo começa a aparecer na história do Brasil no século XX. O Brasil não foi organizado para o seu próprio povo, mas para ser uma empresa exportadora de mercadorias. Para ser mão de obra, não povo. No entanto, o Brasil contemporâneo é um país urbanizado, a população cresceu, tem acesso à informação. Tudo isso faz com que o povo brasileiro ganhe um novo estatuto e force a sua entrada na História. O povo apareceu em alguns momentos no século XX. No suicídio de Getúlio Vargas ele barra o golpe, em 1961 ele barra outro golpe, nas Diretas vai para a rua. A sociedade brasileira passa a ter uma enorme necessidade do aparecimento de uma liderança que represente a entrada do povo na História. E no fim dos anos 70, com a ditadura fraca, aparece o Lula, que tem todo physique du rôle desta tarefa. Migrante nordestino, pobre, operário metalúrgico, sindicalista, de grandes empresas, em São Paulo. Apareceu o Messias. Tem toda essa força simbólica que de certa maneira se mantém até hoje. Ocorre que o Lula é um erro de pessoa. Tem todas as características do líder, mas não é esse líder. Na Idade Média também houve muitos Cristos falsos que se anunciavam como Messias.

Leia a íntegra aqui

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