Tuesday, May 01, 2007

Jung na veia!


Política é muito interessante, Filosofia é sine qua non, Línguas e suas respectivas Literaturas são indispensáveis à formação de qualquer um que se preze como ser pensante; todavia, sem estudar, também, Psicologia, fica-se sem noção alguma sobre COMO funcionamos, QUAIS os parâmetros que regem a alma em sua existência aqui e agora. Sem ela, corre-se sempre o risco de jogar sobre os outros - o meio, na pele de algo ou alguém - a responsabilidade por nossos atos e percepções da realidade. Ou seja, fica-se à mercê da manipulação externa.
Como em todo campo do conhecimento, há modelos e "modelos", teóricos e "teóricos". Várias vezes citamos aqui as idéias de C.G.Jung porque entendemos que, embora ele não seja, é óbvio, o pensador definitivo sobre assunto tão complexo como a psique, seu quadro de referências teóricas, suas análises do comportamento humano, suas intuições sobre o mistério que somos são extraordinariamente interessantes, visto que encontram eco num espectro de cultura monumental, que vai das mitologias mais antigas à história das religiões mais recentes, das artes primitivas às modernas, abarcando um fascinante universo em que o simbólico é exaustivamente examinado em todas as suas facetas visíveis.
A obra do psicólogo suiço é imensa, seu texto é repleto de exemplos sempre pertinentes, analogias surpreendentes, decifrações lingüísticas fantásticas e por aí afora. Para quem quiser ser iniciado nisso tudo, o melhor a fazer é ler sua autobiografia, "Memórias, sonhos, reflexões", na qual, além da narrativa de sua vida familiar, sua relação com Freud e suas viagens, ele mostra com clareza retilínea seu próprio processo de autoconhecimento, cujos passos , por si só, já são um bom curso de psicologia analítica.
Ao final do livro, encontra-se um glossário dos principais termos junguianos, tais como "arquétipo", "persona", "anima", "inconsciente coletivo" etc. Depois dessa antepasto, para quem quiser encarar, há toda uma coleção de seus escritos, editados em Português pela Vozes, esperando pelos em alguma livraria.
Após essas leituras, o mundo não será o mesmo, MESMO...
Como aperitivo, um texto resumido sobre a ascensão de Hitler, no qual Jung faz uma análise do perfil de um psicopata no poder e, em especial, do contexto que propiciou tal processo. Qualquer semelhança com "n" políticos em Banânia não será mera coincidência:

"Se considerarmos que nem todo homem mora psiquicamente numa concha de caracol, ou seja, que não vive longe dos demais e que seu ser inconsciente se acha ligado a todos os outros homens, então um crime nunca pode ocorrer de maneira isolada como pode parecer à consciência. Ele ocorre um âmbito bem mais vasto.
A sensação de todo crime provoca o interesse apaixonado pela perseguição e julgamento do criminoso, demonstrando que todo mundo, desde que não seja insensível ou apático, é excitado pelo crime.
Platão já sabia que a visão do feio provoca o feio na alma. É um fato inegável que o mal alheio rapidamente se transforma em mal, na medida em que acende o mal na própria alma. O assassinato acontece, dessa forma, dentro de cada um e de todos. Seduzidos pela fascinação irresistível do mal, todos nós possibilitamos, em parte, a matança coletiva em nossas mentes e na razão direta de nossa proximidade e percepção.
A esperança crescente no Estado não é um bom sintoma e significa na verdade que o povo está a caminho de se transformar num rebanho o qual sempre espera de seus pastores um bom pasto. Logo o cajado do pastor se converte em vara de ferro e ele, o pastor, em lobo. Foi essa a impressão que se teve ao ver toda a Alemanha respirar aliviada diante de um psicopata megalomaníaco que disse: "Eu assumo a responsabilidade". Quem ainda tem algum instinto de autopreservação sabe que apenas um impostor pode assumir a responsabilidade pela existência do outro. Quem tudo promete e nada cumpre está em vias de se valer de expedientes escusos para cumprir a promessa feita, ou seja, manter a impostura, abrindo o caminho para uma catástrofe.
(...)
Todos esses sintomas, a completa cegueira acerca do próprio caráter, a admiração auto-erótica de si mesmo, a depreciação e atormentação dos demais (com que desprezo Hitler falava de seu povo!), a projeção da própria sombra, a falsificação mentirosa da realidade, "o querer impressionar" e se impor, os blefes e imposturas, reúnem-se naquele homem que foi dado clinicamente como histérico mas que um destino curioso transformou durante doze anos no expoente político, moral e religioso da Alemanha. Será isso um mero acaso?”

- Extraído do capítulo Depois da catástrofe, do artigo Aspectos do drama contemporâneo), publicado no Neue Schweizer Rundschau em 1945, e posteriormente, em 1946, nos Ensaios sobre História Contemporânea, Zurique.

Imagem: John William Waterhouse - "Psiquê abrindo a caixa de ouro".

Marx, o Groucho

1 comment:

patricia m. said...

Muito interessante o texto! Nao li Jung... ainda.