Saturday, January 06, 2007

O Jaguar e o Veado - nada a ver ?...


Uma constatação importante a propósito de interpretação de textos literários (ou não....) é a de que a divergência entre as diversas abordagens feitas por indivíduos sobre o mesmo objeto, ou seja, a expressão escrita de um dado autor, não significa absolutamente que exista um reino de interpretações subjetivas - ou as célebres"verdades relativas" tão ao gosto da modernidade - em detrimento da análise objetiva do texto, evento que, assim, sempre remeteria à impossibilidade de uma interpretação minimamente "adequada" sobre a coisa em foco. Pelo contrário, o máximo que se pode afirmar é que o objeto de estudo permite, devido à sua própria riqueza intrínseca, diversos vieses interpretativos, algo como a estorinha indiana dos três ceguinhos apalpando um elefante: cada um deles identificou o bicho de uma forma diferente, como se estivessem falando de três seres distintos. Na verdade, os três aspectos percebidos eram, objetivamente, partes reais e pertinentes do mesmíssimo animal. O próprio processo de análise, cujo princípio é a fragmentação do todo em seus constituintes, leva necessariamente à idéia de que existem visões díspares sobre o tema abordado, conceito que pode conduzir à ilusão da "subjetividade absoluta". É fácil verificar a distorção paratáxica - originada na incapacidade do sujeito de relacionar as partes e o todo, ou seja, a unidade que lhes dá razão de ser - quando se exige que as narrativas propostas apontem para qualidades que realmente existam no tecido da obra. Ninguém pode ver o que não está lá, mesmo que de forma sutil. Ora, se está lá, pertence ao corpo do objeto e ter sido, ou não, capturado pela observação de um dos estudiosos não lhe diminui a existência. Em suma: se há, ou não, um "eu" para nomear o cachorro Chico, isso não quer dizer que o cão não exista. Portanto, a interpretação mais exata de um texto vai existir na medida que seus estudiosos tiveram capacidade de apreender todas as suas vertentes de significação. Se o observador do objeto é capaz de identificá-lo como "x","y", z", a partir de referências que só ele, o observador, possua (leituras, experiência, estudo específico sobre o assunto etc), o que está ocorrendo, na verdade, é uma relação lógica de identidade entre conteúdos do sujeito observador e conteúdos do objeto observado. Se o objeto não os possuísse, o observador não poderia identificar nenhum dos conteúdos projetados. Obviamente um texto complexo, com ampla gama de significações, dará margem a uma enxurrada de análises bastante diferentes entre si. Na ausência dessa riqueza, as análises tenderão a convergir num discurso mais ou menos homogêneo. Por outro lado, as análises que estiverem além ou aquém da objetividade exigida serão necessariamente o reflexo da tal distorção paratáxica, indicando uma clara inadequação perceptual do sujeito em relação ao objeto, o que resultará, sintomaticamente, na falta de exemplificação coerente e na presença da uma teorização elíptica, com o conseqüente ônus das conclusões disparatadas, entre outras evidências de precariedade epistemológica.
Resumo da ópera: análises diferentes sobre o mesmo texto literário podem indicar não só a diferença perceptual entre os analistas - o que implica o "filtro" cognitivo de sua cosmovisão - mas a complexidade do objeto analisado. A convergência entre ambas as instâncias ratifica a possibilidade do conhecimento da coisa. O afastamento desse paradigma pode indicar a incapacidade do indivíduo de lidar com o real, o que indicaria o sintoma de diversos tipos de distúrbios psíquicos: autismo, falta de concentração, recolhimento esquizóide, alucinações são apenas uma parte dessa festa de Babette... Ah, há também os abduzidos... He,he,he...

Imagem: é impressão nossa ou o pobre felino está embrulhado para presente? Reparem, ao fundo, a atenção do veado, todo cornudo, pronto para dar nos cascos se o jaguar avançar.

Marx, o Groucho

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