Wednesday, December 27, 2006
Sobre Sâo Paulo e Jung
Como prometemos, voltamos a um assunto que os petralhas adoram: o eu e o ego...
São Paulo elaborou uma frase lapidar, já transcrita aqui, cujo sentido é este: "Sei o que devo fazer mas faço outra coisa" (Epístola aos Coríntios). Nada mais formidável em termos de análise da psique! Parece claro que há duas instâncias brigando pela posse das tomadas de decisão de um pobre mortal, duas correntes opostas disputando a tapa o espaço que chamamos de "eu". Jung, assíduo freqüentador deste blog, detectou esplendidamete essa contradição, cuja tensão permanente aglutina vários aspectos do conflito humano, que não podem ser observados separadamente sem causar danos à interpretação do observador. Sabedor disso, Jung depurou a análise até chegar ao que julgou ser o osso, o eixo básico, a espinha dorsal de todos os pares de opostos que se manifestam cotidianamente em nossa alma, a oposição que justifica todas as demais, organizando-as em campos distintos: o Eu e o Ego. A partir dessa classificação paradigmática, pode-se fazer uma interessante lista de "sizígias" - as tais oposições estabelecidas no inconsciente -, entre as quais a citada por Paulo, tão profunda e dilacerante quanto a própria consciência do paradoxo que ela representa, um "ser ou não ser' que não passou sequer pela atormentada cabeça de Hamlet, dilaceração traduzida pelo fato de o ego puxar a consciência para baixo, contrariando o eu, que a puxa para cima.
O ego sofisma loucamente, tentando provar que marimbau é gaita e patativa é curió - ou, por exemplo, que Dionísio é um "must" e Apolo, um chato de galocha, só para ficar numa clave bem ao gosto "muderno-nietzcheano" -, que bom é curtir as emoções adoidado, que ser livre é desobedecer todas as leis, revolucionar, revolucionar e revolucionar...
Enquanto isso, em Corinto City, o eu afirma que há emoções e Emoções, leis e Leis, razão e Razão, vida e Vida... Bem, pelo visto o eu é um reformador ortográfico, certo? Certíssimo.
Só para examinarmos um dos supraditos itens, diríamos paulinamente que nem toda lei é justa assim como nem tudo o que é justo é lei, donde se conclui que há, realmente, leis e Leis, certeza que nos cria outra "bifurcação' interessante: há desobediências e Desobediências - vide o post de Oriane sobre "desobediência civil". No âmbito das emoções, esmiuçando a exemplificação, ocorre o mesmo, pois ir à Bienal não se compara a uma visita à Capela Sistina, não é mesmo?
Na mais pura verdade, então, a historinha pode ser resumida no seguinte: tudo é dois. É por isso que, voltando ao junguiano início, estamos sempre oscilando entre escolhas que desaguam tão somente em duas bacias hidrográficas: a do eu e a do ego. Resta-nos apenas distinguir para onde corre nosso riacho. Fernadinho Pessoa intuiu a "coisa" ao escrever esta maravilha, na pele do heterônimo Alberto Caeiro:
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. (...)
A poesia inteira aqui.
Marx, o Groucho, repleto de contradições...
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