Sunday, December 31, 2006
Saddam e a decadência da nossa civilização!
Um pouco de Reinaldo Azevedo para coroar o fim de ano!
Maravilhoso. Hoje estava pensando em comentar o quanto é repugnate para um anarquista a imegm de um chefe de Estado, em pleno sec. XXI, ser executado diante de camêras de televisão.
Francamente: é a barbárie!
Por mais crimes que ele tenha cometido, por mais bárbaro que seja, temos que nos rebaixar até este nível? Temos que ser criminosos também?
A morte de Saddam é muito mais do que a morte de um tirano, existem vários tiranos vivos no mundo, foi xenofobia, a não compreensão de uma outra civilização.
O museu de Bagdá, as universidades, tudo que há de intelectual no Iraque foi incrementado, inclusive um projeto que procurava abrir espaço para a mulher na sociedade iraquiana, tudo isso foi feito por ele.
No que ele difere de Fidel afinal?
Saddam era fruto de uma civilização que o ocidente desconhece e não procura conhecer. Era um tirano sanguinário? Provavelmente. Mas não era o mal puro, como tantos ingênuos querem pensar. A foto acima é de South Park: neste desenho Saddam era amante do Diabo e muito pior do que ele. É isso que muitos pensam.
Mas não terá ele feito nada de bom?
Existe isso afinal? Ou existem apenas interesses: depor e matar Saddam é poder controlar contratos milionários de petróleo naquela área. É a disputa pelos lucros da reconstrução de uma das áreas mais ricas do mundo.
Sorte de Fidel que na ilha dele só tem tabaco.
Agora vem cá: nós temos uma fortuna em água e petróleo?
Será que o tráfico e a violência serão os motivos que levarão a uma intervenção? Será esse o nosso Saddam?
Chega de reflexões, vamos ler o texto de Reinaldo sobre a ética da pena de morte:
Corda no pescoço
Há uma diferença entre mim e alguns que me combatem: não quero meus inimigos com uma corda no pescoço. Eu os quero vivos. Não quero principalmente ganhar a guerra. Quero lutar. É uma opção ética. É uma opção, de certo modo, estética. Ainda que “eles” queiram me eliminar - e àqueles que pensam como eu. Mesmo que eu os presenteei com objetos preposicionados como esse, cheio de elegância, só para declarar a minha animosidade amorosa - fiel, para quem sabe, à etimologia. Porque há de haver uma elegância entre os duelistas, como no filme – conhecem? Ganhar não é nada. Guerrear é tudo. A única vitória está na disputa.
Um esquerdista jamais entenderá do que falo. Ele sempre sabe aonde a história quer chegar. Eu não sei. Como Fernando Pessoa, o céu e a terra me bastam. Os que têm a forma do futuro estão tão certos de tudo. Eu estou certo apenas das minhas opiniões. E, na minha opinião, um homem com uma corda no pescoço é sempre deprimente. E agora direi algo “só para loucos, só para raros” (cito o Hesse de O Lobo da Estepe): é ainda mais triste um homem que já foi poderoso com a corda no pescoço. É razoável a suposição de que a forca e a força que o matam são mais íntimas do ressentimento do que da Justiça. Às vezes, acho que são sentimentos demais pra nossa condição tão miserável.
Aquela foto de Saddam Hussein com uma corda no pescoço obscureceu minhas idéias luminosas sobre o triunfo de um civilização, de uma raça – a nossa, a dos humanos vira-latas -, de um modo de vida. Eu sei que ele matou. Eu sei que ele roubou. Eu sei que ele estuprou, ainda que por meio de terceiros. Mas que coisa! Minhas ambições não têm morte. Minhas ambições não têm roubo. Minhas ambições não têm estupro. Tão demasiadamente humano, coloco-me como o último na escola dos que julgam; o último na escala dos que apontam o dedo; o último na hierarquia dos bons. Como o Pessoa do Poema em Linha Reta, todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. Eu não consigo declarar a morte de um pernilongo chato numa casa à beira da praia sem que me assalte um dilema moral. Ele pode até ser tão breve quanto a vida de um pernilongo, ou tão inútil, mas estou inteiro em cada coisa. Estou inteiro naquele tapa. Sou inteiramente eu – e responsável – naquela sentença.
Aí me acusam ou me interrogam: “Mas como foi que um ex-esquerdista, mesmo trotskista, tornou-se tão anticomunista?” Aconteceu porque sei a dor e a delícia de não ter chefes ideológicos, de não poder atribuir a ninguém um gesto, uma sentença, um disparate. Todas as grandezas e todos os lixos do mundo me pertencem. Ah! Os petralhas são tão grandes e tão senhores de si. Eu sou porcaria. Eles celebram cantos de vitória. Eu topo ficar recolhendo os restos, os guardanapos amassados da festa, os copos de refrigerante quente pela metade, os doces só mordiscados e logo desprezados, as concentrações – acho, mas não estou certo, que a imagem é de Musil – das procissões que vão se dispersando. Ali, e este sou eu, onde a fé é mais rarefeita, onde todas as precariedades humanas se juntam num misto de dedicação e descrença. Eu sou este aí: dedicado e descrente, espreguiçando-se quando Deus se anunciou. Incrédulo.
Santo Deus! Eu nada tenho a fazer com cordas no pescoço. Nem no pescoço dos meus inimigos. Sobretudo no pescoço dos meus inimigos. Porque, vejam só, encontrasse eu uma justificativa para cena tão patética, eles estariam certos a meu respeito. Mas estão errados. E, por isso, são meus inimigos. Eu sou a vida e seu ofício. E eles contam os seus mártires, os seus heróis, jactam se duas paixões homicidas e suicidas. Eu acho a morte aquém e além de qualquer contenda. Que moral pode existir na morte? Que ética? Como pode nos sugerir o que quer que seja quem é tão íntimo do absoluto? Como é que um juiz consegue escolher o que comer ou a cor da própria cueca depois de decidir que alguém deve morrer? Se eu arbitrasse sobre a vida, não aceitaria nada além do absoluto.
Reinaldo é show!
Oriane
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