Sunday, July 08, 2007

Sem o charme da Emília...

Alguém pode nos explicar essa implicância da mídia com a expressão "risco de vida"? Só pode ser mais uma manobra besta das antas do PLA - Politicamente Correto, ARGH! -, tentando pôr a língua, como sempre, numa camisa-de-força. Essas pessoas parecem ignorar que existem em determinadas construções lingüísticas, na estrutura de qualquer idioma, supressões naturais de alguns termos, um fenômeno chamado elipse, capaz de justificar aparentes ilogicidades. Esta é uma delas: "risco de vida" é, em sua forma original, risco de PERDER a vida. "Perder", aqui, é a palavra em elipse, causadora de estranhos espasmos de indignação nos neurônios dos "reformadores da natureza"- todos, infelizmente, sem a graça da Emília de Rabicó...
Quem se preocuparia, por exemplo, em corrigir o significado de pois não, que quer dizer "sim", e o de pois sim, que quer dizer "não"? Só um beócio daqueles que ficam enchendo lingüiça, neuroticamente, em nome de uma outra língua possível.
Por outro lado, percebam que esse é um dos mil exemplos do cacoete que infesta as pessoas mordidas pelo vírus do PLA: querem controlar tudo, todo o tempo, numa preparação maliciosa para os novos tempos do porvir, os tempos anunciados por Orwell. Essa é a fase, digamos, do laboratório. Haja cobaia...
Toda essa questão decorre do fato de que, por detrás do discurso, palpita a realidade. O texto sinaliza, sempre, um modo de se capturar recortes daquilo que apelidou-se de ser, nas lides filosóficas . Ora, o ser inclui a língua, mas é ela que o traz à tona da consciência, num processo que nos remete ao extraordinário paradoxo da cobra comendo o próprio rabo, simbolizado por ouroboros, na antiga Alquimia.
Em suma, se a parte não pode ser maior do que o todo, é preciso manter-se uma espécie de reserva verbal à mão, uma janela aberta ao ar fresco, a fim de que o ser possa continuar fluindo livremente pelas sinuosas corredeiras do simbólico ( isso é exatamente o oposto da idéia de pré-conceito/preconceito, que não passa de um invólucro-espectro, abandonado pelo espírito que outrora o vivificou). Na verdade, tal reserva é o melhor antídoto contra a neurose.
Acontece que há um pequeno problema: o único modo de se viver essa instância psíquica mais saudável passa necessariamente pelo desapego do ego, o vaidosíssimo monstro que está na base de todas as desgraças humanas. O ego é aquela praga que não deixa o ser... ser! É a máscara que gruda na cara, e ninguém consegue tirar mais. É a cansativa previsibilidade de todos os atos e palavras, fator que transforma o circo das relações pessoais em um teatrinho cretino, pois as narrativas já são conhecidas, de antemão, por todos os atores. Como um gigantesco e tentacular clichê, tudo fica esclerosado e ranzinza desde sua podre raiz: não há mais a seiva do ser correndo pelas veias verbais, a fala tornou-se um sopro monocórdio: o Logos tirou férias.
Um dos resultados imediatos dessa tragédia, na conduta de suas vítimas, a tentativa de "converter" os outros à própria reles medida discursiva ( lembrem-se do leito de Procusto, que já explicamos aqui), o que só pode ser feito pela manipulação da linguagem, uma revolução semântica que instaura coisas absurdas, só para começar o joguinho sujo, como os riscos de morrer/ex-riscos de vida, os verticalmente prejudicados/ex-anões, as profissionais do sexo/ex-prostitutas, os afro-descendentes/ex-negros de todas as cores e assim por diante. Em pouco tempo o sentido real das palavras vai para a cucuia, a mente das pessoas passa a flutuar (???) no marasmo do nada-para-o-coisa-alguma, sempre no mesmo padrão hipnótico, porque agora a ilusão total se instalou de vez em suas pobres vidas; esse é um panorama perfeito para a plena vigência de um estado totalitário, posto que, onde não há mais o sentido de realidade, só as diretrizes de poder prevalecem. A essa altura, já houve um upgrade da neurose para a psicose, e não há mais volta. Eis aí é o reino da insanidade completa...
Que tédio!
Imagem: a famosa boneca de Monteiro Lobato, que se danou toda ao tentar "reformar" a natureza...

Marx, o Groucho

4 comments:

Anonymous said...

Marx,

O texto é excelente, como sempre. Ah se houvesse bastante gente como você nas nossas universidades! Não estaríamos no caminho da danação...

Mas escrevo para perguntar da Oriane. Ela está bem? Sumiu!

Frodo Balseiro said...

Pensei que só eu me irritava com essas mudanças pc do linguajar!
As vezes nem só po´liticamente corretas. Aparecem do nada! Exemplos? Roráima, assim com o "a" agúdo! Yôga, assim com o "o" fechado.
Parece que o pessoal também esta inovando por ignorância! Daí a abundância de "pissicólogos", "obisservações", "obiter" e outras barbaridades!
Existe alguma guerra não declarada contra as "letras mudas"?

A Furiosa said...

William:
Oriane está só descansando a cuca, embora "furiosa" como sempre! Daqui a pouco ela volta, não se preocupe.
Bjs,
Marx, o Groucho

patricia m. said...

Adoro o Sitio do Picapau Amarelo, tinha a colecao inteira de livros.

Frodo, uma das pronuncias mais irritantes eh PENEU... Nego adora falar PENEU, no lugar de PNEU. Como doi no meu ouvido o som de PENEU.