Wednesday, June 27, 2007

Epistemofobia


Clichê nos meios que discutem os rumos da educação nestepaiz: "É preciso ler, ler, ler!" Ok, a priori, bem superficialmente, concordamos com essa idéia. Quem, em sã consciência, se diria contra? O problema é que a exortação é veiculada sem o questionamento complementar necessário: Ler o quê? Ler qualquer coisa? Todas os textos têm o mesmo valor? A pergunta já nos foi feita diversas vezes em sala de aula, por alunos que ainda preservam alguns neurônios intactos. Acabam pedindo uma extensa bibliografia sobre os mais variados assuntos, no que são prontamente atendidos.
À essa altura do jogo, entra em campo a surradíssima questão, aquela que sempre eclode na TV Deseducativa, quando se reúnem, de madrugada, meia dúzia de bocejantes "especialistas" em embromação pedagógica: Ah, mas sempre se indica a melhor leitura sob o ponto de vista de cada um! Existem outras, com perspectivas diferentes, igualmente válidas! Sim, Pedro Bó, sempre existirão "muitas outras leituras". Acontece que existe também uma coisa esquisita chamada "critério", amiga inseparável de um ente, igualmente excêntrico e insuportável, chamado "lógica". Essas criaturinhas fazem um baita estrago nas mentes relativistas que querem validar - na marra, é claro - todo tipo de leitura, como se não houvesse escala de valor entre Shakespeare e Mano Brown, entre uma oca de índio tapuia e a catedral de Chartres, entre a mente de Sader e a de Aristóteles. Eis aí, uma vez mais, atropelando na reta final, aquela estúpida estorinha nivelante, com laivos de antropologia de boteco acadêmico, o caminho mais eficiente para a lobotomia em massa.
Estamos em plena era epistemofóbica: o traço mais gritante da cultura nacional é o HORROR ao conhecimento. Um cão hidrófobo tem mais chance de aprender alguma coisa do que um estudante médio, que atualmente está muito mais empenhado em queimar professoras chatas, com o beneplácito das "otoridades", que não passam de praticantes entusiastas da apologia ao crime, como se pode constatar diariamente nos jornais.
O principal sintoma dessa neura é exatamente essa febre de "nivelamento relativista", cuja intenção oculta, a médio prazo (que já foi "longo": o tempo está sendo encurtado assustadoramente!), é a completa destruição da capacidade de pensar.
Esse é o prelúdio para o surgimento de uma sociedade de ORCS, aqueles seres "coletivos" e "lindinhos" que enfeitam as páginas do Senhor dos Anéis, de Tolkien.
Well, na dúvida, não leiam rigorosamente nada! Aliás, isso pode virar um ótimo koan zen budista, uma espevitada paráfrase: qual era a leitura preferida de seus pais antes de eles nascerem??? Respostas com a Liza, do seriado Os Simpsons...
Em verdade vos seria dito: e preferível um bronco puro do que um bronco teleguiado. O primeiro é bem mais fácil de ser resgatado - vide o caso exemplar dos "pobres de espírito", os biblicamente legítimos, é claro...

A seguir, trecho de um ótimo texto sobre a leitura e seus aspectos educativos, de Lucas Mafaldo Oliveira, retirado do blog de Cláudio Telles, com grifos nossos:

(...) Por ser uma educação voltada para a grande conversação, a educação liberal é necessariamente uma educação voltada para a leitura dos grandes livros. Já estamos muito distantes do tempo de Platão, onde havia uma rica tradição oral através da qual podíamos nos inteirar das grandes opiniões do passado. Atualmente, grande parte desta tradição está perdida, mesmo entre aqueles que profissionalmente deveriam resguardá-la. Portanto, a educação liberal é, no nosso tempo, necessariamente uma educação através dos livros – não de quaisquer livros, mas apenas daqueles que foram escritos pelos melhores da nossa história.(...)
Para ler o resto, vá aqui.

Imagem: a catedral de Chartres, magnífico óleo de Corot

Marx, o Groucho

7 comments:

osvjor said...

outro clichezão: para saber escrever, é preciso ler. na minha família mesmo, tenho casos de pessoas que não gostam de ler e até têm pouco estudo, mas escrevem bem. há outros casos do gênero pelo mundo afora. assim como o oposto: gente que adora ler e escreve mal.

patricia m. said...

Marx, complicado isso quando ate mesmo livros-texto sao substituidos por apostilinhas miserentas de cujo autor ninguem nunca ouviu falar, como eh o caso das apostilas do COC... De resto, brasileiro nao le nada mesmo. Tenho zillions de amigos e colegas que nao possuem um unico exemplar de livro em casa, nem um misero volumezinho, nada, nada. Casas aridas, essas...

Walter Carrilho said...

Todo mundo lia José de Alencar na marra no ginásio. Adiantou algo? Que nada. Livros são ótimos, mas não dá para transformá-los em aspirina da sociedade.

patricia m. said...

Walter, sei nao, tinha gente que lia so resumo, se lembra disso? E ainda se vangloriavam do fato. Cultura nunca eh demais, a meu ver.

Ricardo Rayol said...

Esqueceu uma coisa, Marx a Groucha, todo mundo do desgoverno diz que é preciso ler. Só que eles querem dizer ler revistinha em quadrinhos e revista Caras.

Nietzschiano said...

O pior da história são as crenças políticas.

Anonymous said...

Sim a falta de critério de leitura a muito vem sendo passada, até com jargões academicos "Ler mal é melhor que não ler coisa alguma", acho definitavamente estranho, colocam a tv como alienadora e tão somente ela, mas esquecem que os livros também tem muita carga ideológica e muitas vezes alienam mais que a própria tv.