Saturday, March 31, 2007

Pelo sim, pelo não, agora não chamo mais meu gato preto de "negão", só de afro-felino. Vai que alguém ouve e me processa!

Imagem: Mapplethorpe - da série Black and White.

De certa forma é explicável que os negros estejam ainda numa posição desfavorecida socialmente. Foram trazidos para cá numa posição desvantajosa há pouco tempo. Todos sabemos que o dinheiro e as relações da família são fundamentais para o alcance de uma boa situação social. Os negros estão há poucas gerações nas Américas, mas o fato é que estão melhores aqui do que, por exemplo, em Angola, ou Serra Leoa, como disse corajosamente Serjão em seu blog. Com o passar do tempo, naturalmente, vêm alcançando maior ascensão social. Vemos negros como professores, magistrados, artistas, empresários. Muitos desses tiveram antepassados escravos. Isso fala de sua garra e justa luta. No mundo de hoje vence o mais forte e nem sempre as condições iniciais são responsáveis pelo sucesso futuro.

Ao se adotar uma política de cotas, acabamos por vitimizar um segmento social e, de uma certa forma, estamos também diminuindo este segmento. Com o sistema de cotas estamos dizendo que eles estão numa situação inferior.

Nossa sociedade é muito pobre, não temos tantos ricos assim. Nossa classe média vive na corda bamba, e a maioria viu seu padrão de vida cair drasticamente em vinte anos. O fato é que nesta sociedade pobre há muito pouco para muitos. Privilegiar, por pouco que seja, uma parcela é discriminar. E o pior: como há muito pouco a disputa vai ser mais acirrada e este segmento favorecido passará a ser odiado. Não será odiado pela cor da pele, mas por seu privilégio. Numa sociedade tão pobre, qualquer privilégio é invejado. Aqui começará o preconceito e a luta entre pretos e brancos numa sociedade que era notória por sua convivência exemplar.

Por que, afinal, este governo faz tanto esforço para acirrar a briga entre pretos e brancos, pobres e classe média (reparem só, Lula e seus asseclas falam mal da classe média e não dos ricos...a Zelite é a classe média)? Desde que o governo Lula assumiu tenho notado um aumento na violência com que os crimes são cometidos. Já não são assaltos, são vinganças. Andamos nas ruas com medo, sabemos que só por termos uma aparência um pouco melhor, ou um carro velho que passamos anos juntando dinheiro para comprar, enfim, qualquer coisa já é motivo para despertarmos inveja, ódio. Esse ódio é que gera os crimes violentos que estamos vendo. Esse ódio é despertado pela inveja de uma sociedade que nada tem. Volta-se para todos aqueles que têm, mesmo que seja muito pouco. Nessa sociedade pobre a vida é barata e odeia-se por quase nada.

O que acontece depois? Com o passar do tempo, este pequeno privilégio das cotas acaba gerando um separação: eles, os cotistas, e os outros. Na África do Sul há cotas para tudo que se possa imaginar, e devemos levar em consideração que lá isso faz mais sentido do que aqui.
Qualquer pessoa com um pouco mais de cultura sabe que não foram só os brancos que escravizaram os negros, mas, principalmente, negros escravizavam e vendiam negros. O fato é que lá, quando as pessoas entram nos hospitais e vêem um médico negro, acabam não querendo ser tratadas, não porque o médico é negro, mas sim por causa do sistema de cotas. Aquele médico estudou pelo sistema de cotas e conseguiu o emprego pelo sistema de cotas, quem auferiu a competência dele? O quanto ele precisou das cotas para entrar? Esta dúvida sempre permanece. Muitos negros americanos sentem orgulho de afirmar que não usaram o sistema de cotas para estudar.

Os mais fortes escravizam os mais fracos: esta é a triste natureza humana. Em vez de cotas raciais os homens deveriam se preocupar com o problema dos mais fracos. Aqueles que são fracos demais para a luta diária. Que fazemos? Criamos cotas para eles? Jogamos do alto do penhasco? Afinal, porque será que a humanidade sempre só existiu em função de 1%? Ou será que achamos que a desigualdade é só agora? Os vencedores sempre foram minoria e os vencidos maioria. Muitos trabalham para poucos. Claro que numa sociedade tão superlotada como a nossa isso acaba por atingir proporções bíblicas. Daí que, sim, será necessário redistribuir, ou a situação se tornará insustentável, como já vemos acontecer em vários lugares. Todas as brigas, por mais que as mascaremos como religiosas, raciais, são por dinheiro, terra, posses, poder. Tudo gira em torno de o quê vai ficar com quem. Os mais fortes sempre ficarão com mais, mas um mínimo de dignidade para o resto é fundamental para que se possa manter o equilíbrio.

E que não nos enganemos: classe média de terceiro mundo não é dominadora, é dominada! Portanto, tratemos de nos fazer fortes, tratemos de parar de investir na preguiça, tratemos de investir na educação. Não haverá um sistema de cotas para o terceiro mundo, muito menos uma bolsa-sei-lá-o-quê. O poder de transformar está na coragem de uma sociedade e no seu esforço. Sistema de cotas acaba perpetuando a fragilidade de um grupo e lhe colocando na situação de “coitadinho oficial”. Este tipo de atitude é um convite à preguiça, à acomodação. Permitir que se entre na academia por qualquer motivo que não o mérito é desmerecer e diminuir a academia. A academia é lugar para esforço, renúncia, atitude. Numa sociedade naturalmente preguiçosa tende a enfraquecer ainda mais o que já é tão fraco. O cotista não vai se esforçar mais do que já se esforçou para entrar, os outros é que vão se esforçar menos para acompanhá-lo. E sempre o que entrou sem cotas irá discriminar o que entrou com as cotas.

Esta discussão toda mostra o quanto este grupo social está forte, pois consegue bem mais concessões do que, por exemplo, os índios que, esses sim, foram expropriados de suas terras. O silêncio da sociedade quanto ao que verdadeiramente ocorreu na África é uma outra prova de como a propaganda pró-africanos é forte. O que nos leva a perguntar: a quem afinal interessa tudo isso? Outro dia no Edital da Lei Rouanet vi que existe a pergunta: trata-se de atividade que promova a cultura Afro? Ou seja, se for tem uma chance muito maior de ganhar aprovação. Promover a cultura Afro dá dinheiro! E, diga-se de passagem, é bem mais digno e eficiente do que cotas. Ah, me lembrei, esta guerra toda acabou dando emprego para Dona Matilde, a ministra (com minúscula mesmo) da desintegração racial, e toda a sua turma. Aliás, quantas Ongs e autarquias não faturam alto com essa questão?

Estamos criando o racismo no Brasil e esta divisão acabará nos arrastando irremediavelmente para o penhasco.

Oriane

1 comment:

Anonymous said...

Oriane,

Causa-me preocupação essa questão do 1%. Você lamenta que essa seja a natureza humana, mas nós não somos diferentes do resto da natureza justamente por podermos agir contra ela?

Dia desses vi na TV uma tartaruga-macho batendo seu casco contra uma tartaruga-fêmea. Dizia o narrador que, apesar do casco, aquilo causava ferimentos à fêmea. Essa, por fim, cedeu; o macho pôde montá-la. Isso é a natureza. Mas estamos submetidos a isso?

Pode ser a força o único critério para julgamento? Os mais fracos são subjugados pelos mais fortes... Mas se surgir um novo personagem com mais força que todos, pode fazer de todos o que lhe agradar? E se os mais fracos, juntos, forem mais fortes? Podem decapitar seus antigos dominadores? E mais: os que num dado momento forem, de tão fortes, invencíveis, não precisam impor limites ao uso de sua força?

Soará como ingenuidade, mas vou dizer: parece-me que a força só pode ser legitimada pela virtude. Parece-me que só o esforço para solucionar os problemas que o mundo físico e as relações sociais impõem à sociedade, e a renúncia que tal esforço exige, pode legitimar o dominador aos olhos do dominado. Se não há tal legitimação, não é difícil ao dominado trocar um jugo por outro, supondo que um dia terá um bom senhor.

Sim, é pura ingenuidade pensar que é possível que um dia haja uma elite virtuosa, que renuncie à satisfação dos próprios desejos para dirigir seus esforços no sentido de solucionar os problemas que lhe são apresentados... O que todos querem é ganhar mais dinheiro, comer mais prostitutas de luxo (ou, como aconteceu aqui em SP, estuprar crianças que façam malabarismo nos faróis --deve ter sido notícia fora daqui que um rapaz, filho de advogados, disse a duas crianças que entrassem em seu carro, que ele as levaria para comer um lanche, e o que ele fez foi estuprar uma delas), fumar mais maconha e nada mais...

Se o 1% não for mais do que isso, por que os 99% deveriam pacientemente dizer "é a natureza humana"?