Sunday, February 04, 2007

De volta à furiosa tourada verbal...


Pois é. Voltamos às raízes de sempre, à expressão verbal, à Língua,
assim mesmo, com maiúscula. Vocês devem ter reparado - menos a petralhada que só olha para o próprio umbigo onde se espelha a imagem do líder das multidões, o Sr. Legião... - que existe no ar uma sinistra presença rondando nosso espírito, a opacidade. Sim, a opacidade. É ela que pinga a sudorese da imbecilidade discursiva que faz, hoje, da vida cotidiana, um inferno sem refresco. Ela não está assim, tão forte e despudorada, por acaso; mas, sem dúvida, sempre existiu desde que o homem é homem e o macaco, macaco - aliás, pela lógica mais elementar, é muito mais fácil o macaco ter sido originado pelo homem. Mas, lembremos, pensar é penoso.
Em que consiste a opacidade? Simples: ela acontece toda vez que
os bois são enclausurados no anonimato. Anonimato é invisibilidade, é não-existência, é vida incubada, suprimida, sufocada, atormentada em algum lúgubre espaço psíquico. Bolas, mas quem são os bois, esses neo-excluídos? São as coisas, a realidade, a verdade, o que "está aí". Quando os bois não são reconhecidos, chamados à luz, honrados pelos seus verdadeiros nomes, eles se rebelam como massa enfurecida, "vera turba multa". Na Grécia mitológica, sabia-se disso, da permanente ameaça das Fúrias, as mesmas entidades que, domadas pela nomeação dos deuses- afinal, nada menos que um ensaio de batismo, versão pagã -, tornaram-se as doces e benfazejas Eumênides, ou Eríneas, para os gregos, óbvias musas "inspiradoras" de Dr. Jeckill and Mr.Hide e de Hulk, o verdinho.
O mito é usado às vezes em Psicologia para exemplificar a passagem da ignorância - condição em que os nomes nada são - ao verdadeiro conhecimento, instância em que os nomes conduzem o Ser à consciência. Dito assim, parece papo do "tempo em que os bichos falavam" (programa de rádio, infantil, do Tio Janjão, na rádio Nacional, década de 50. Ai, minhas cãs!.), mas a coisa é seriíssima!
Os tempos estão opacos porque as palavras se prostituíram, perderam a seiva, a luminosidade, a vibração original. Elas estão agonizando. Haja depressão.
Na Índia, a turma já falava nisso no tempo dos Vedas: todas as palavras autênticas são necessariamente mantras porque correspondem à natureza daquilo que evocam, são seu aspecto, digamos, sonoro. Sim, o ser se chama...
Ora, o que se ouve hoje é exatamente o contrário, palavras que não dizem, palavras malditas e não benditas, palavras mortas, palavras genuinamente diabólicas, casulos ocos, os onipresentes zumbis de Sauron...
Quanto aos bois, eles não fugiram, estão aí à espera de redenção, de batismo, de conciliação verbal. A opacidade os deixa inquietos, perigosos. Dá arrepios pensar que os antigos tinham muito mais intuição disso tudo do que os "mudernos big brothers"... Jung explica.
Em tempos de proliferação da Língua de Pau e outras porcarias do gênero, teme-se, cada vez mais, um estouro de boiada, versão touro miúra. Todas as evidências estão aí. Babel já se instalou e só nos resta gritar "olé"!!! Chamem Juan Gallardo, o Tyrone Power de Sangue e Areia - ou vice-versa, bem depois de Rodolfo Valentino!

Imagem: Orestes, fugindo da zoeira das Fúrias - quadro de Bourguereau, 1862.

Marx, o Groucho, em dia de afinidade taurina...

1 comment:

Anonymous said...

Não tenho o que comentar. Está ótimo, como sempre. E eu me arrependo do meu relativismo de adolescente: muito Perelman, muito Luhmann, muito Alexy estragam a cabeça de qualquer pobre graduando em Direito. Quando a gente percebe, está citando Maturana e Varela em todas as discussões...

Para me convencer de não ter dito apenas coisas inúteis, e também pelo prazer que me proporcionará, vai Ésquilo:

"Quem afinal deu nome
em tudo tão verdadeiro
(não o vemos a dirigir
com previsão do destino
a acertada língua)
à belinubente e litiginosa
Helena? Com nitidez
é lesa-naus e lesa-varões
e lesa país..."
Agamêmnon, 681-690