Friday, February 02, 2007
Atalhos: hospício ou bar da esquina?
Quando se fala muito em diálogo e, ao mesmo tempo, em verdade relativa, está-se oferecendo ao observador um caso concreto de "contradição em termos". Não pode haver diálogo - processo lingüístico que pressupõe uma relação intersubjetiva baseada em um código necessariamente dominado por ambas as partes - quando duas pessoas são incapazes de atingir a objetividade de um "denominador comum" - inimigo explícito do relativivismo que impregna os cérebros ignaros. O que ocorre nessa pseudocomunicação é o divertido encontro de monólogos narcisistas, fartamente encontráveis, também, em hospícios ou em seletos espaços acadêmicos.
Há, entretanto, um detalhe interessantíssimo nessa situação perturbadora: os monólogos dessas pessoas, por força da massificação discursiva vigente, têm apresentado um texto praticamente igual, o que dá a sensação de um pacto coletivo ao redor das mesmas idéias, uma espécie de consenso prá-datado absoluto, que conduz fatalmente à completa estagnação verbal: todos dizem as mesmas coisas, como se as palavras de uns e outros fossem meros espelhos recíprocos, ratificando, ad infinitum, um texto que não vai à parte alguma. Trata-se de uma ode à redundância, uma glorificação à mesmice hipnótica. O incrível é que essa turma que se diz progressista, libertária e socialmente engajada costuma defender fanaticamente o respeito às... diferenças. Logo eles, que chutam, todo dia, a existência da alteridade...
Idêntico fenômeno acontece quando ocorrem, por exemplo, "debates" nos meios de comunicação. Não há debate algum porque o problema é o mesmo: o que é oferecido ao anestesiado público é um pouco mais - sempre! - do mesmo. Não existe contraditório, não existe argumento e contra-argumento, não existe nenhum tipo de tensão psíquica capaz de franzir o sobrolho do espectador, nada que arranhe suas plácidas convicções, seu "velho saber", seu sólido quadro de referências inúteis, adquirido mediante um longo processo de lavagem cerebral em que o fator "lei da gravidade" exerceu um inestimável papel: haja preguiça mental!
Em suma: aquilo que atualmente é entendido como comunicação não passa de uma síndrome com duas vertentes: a primeira é um atalho para o hospício - o reino do solipcismo completo -, a segunda é a indicação clara de uma imbecilização generalizada, pasteurização mental estratégica que não passa de um fator sine qua para a tomada do poder por alguns psicóticos que não estão internados, bem ao gosto de Machadinho de Assis, em seu conto O Alienista .
Como se vê, tudo cheira à loucura. Resta-nos optar, apenas, pela versão mais atraente. Talvez o discurso desconexo de vários malucos (vejam e revejam Le roi de coeur, de Philippe de Broca, um filme genial sobre loucura e sanidade, com o já falecido Alan Bates) seja mais original e profundo do que o papo de gente tomando chope no bar da esquina, proclamando os mesmos indigentes clichês de sempre, girando em círculos sobre o próprio umbigo inconsciente. É por isso que o silêncio - de que já fizemos aqui uma apologia radical - é tão incômodo para essa gente: ele estilhaça o espelho.
Imagem: Narciso, de John Waterhouse, 1849-1917.
Marx, o Groucho
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