Sunday, May 02, 2010

"Olha para mim, olha nos meus olhos!" - o Zen de Lia?



Poderia ser um bordão de novela ou de programa humorístico, típicos fenômenos da cultura " pop", mas não é. Ele surgiu na boca de uma participante do BBB10, a Lia, apelido de Eliane. A moça era ouriçada até a medula e vivia chamando os outros para uma estado quase permanente de DR (para os desligados, "discutir a relação"). Isso lhe valeu alguns ódios básicos dentro da casa e, como soe acontece na "sociedade do espetáculo", uma admiração inusitada fora dela, o que lhe valeu, ao final do programa, uma avalanche de fanáticos seguidores, espalhados pelas diversas redes sociais da internet. A criatura está, como diriam os adeptos da boa gíria, "bombando". Vamos tentar entender o porquê, o essencial, não os periféricos, geralmente cretinos.
Independente de qualquer crítica à aridez lingüística dos participantes desse já longevo evento televisivo, cuja inspiração se deve a um dos mais contumazes freqüentadores deste blog, George Orwell  - vide postagem recentissima  -, não podemos deixar de registrar a significativa sinalização que a supradita frase de Lia nos oferece, originada diretamente dos confins do inconsciente coletivo, segundo nosso amigo, C.G.Jung: OLHA!
Se juntarmos a palavra a seu par perfeito, OUVE!, teremos o melhor dos mundos, o mundo dos primeiros passos em direção ao diálogo! Estranho? Nem tanto, se atentarmos (saudades do jargão "atentai!", do senador Mão Santa...) ao fato de que vivemos cada vez mais imersos na escuridão do ...escotoma!
Conscientemente ou não, a ex-BBB usava e abusava da função fática da linguagem - procurem Jakobson et caterva para entender o conceito - , um recurso bastante banal, usado principalmente em conversas telefônicas, por meio do qual o contato com o interlocutor é permanentemente ativado.
Lembrando que escotoma é "ponto cego" - ocorrência tanto visual quanto auditiva -, nada mais justo do que indicar o comportamento aparentemente obsessivo da moça como um sintoma dos tempos "mudernos", nos quais ninguém presta atenção a nada, ao outro, ao contexto, ao que está logo ali, bem defronte ao nariz. Um bom psicoterapeuta diria que o chamado de Lia, que acabou virando sua marca registrada, muito mais do que um cacoete sem sentido, denuncia uma calamidade epidêmica da atualidade: o não saber ouvir, o não saber ver, condições sine qua para o início - VEJAM BEM! -, do início do processo de uma real comunicação! 
Enclausurada no meio de pessoas um tanto ou quanto títeres de seus próprios egos, todas em busca de um respeitável prêmio, Lia, sem ter consciência profunda do seu insistente enunciado, corporificou o que centenas de aprendizes de "doutores em linguagem", enleados pela parafernália de clichês ideológicos, midiáticos e acadêmicos, não conseguem, de forma rigorosamente objetiva, dizer com tamanha fúria: o princípio de tudo é... a ATENÇÃO! Olhar no olho é estabelecer o bom e velho rapport, vínculo sem o qual toda gente fica "falando para ontem", como diziam as vovós...

Em suma, é a primeira vez - e isso não é um acidente de percurso puro e simples - que alguém rompe o bloqueio do pegajoso e circular discurso do "entretenimento" na TV, justamente num programa de estrondosa audiência, e chateia, conclama, irrita, hipnotiza, chicoteia o público com a convocação para uma tomada de consciência que só costuma freqüentar os melhores textos do... zen budismo...hehehe...
Ufff! Dependendo do olhar, o BBB também é cultura!


Imagem: 1 - Lia, meditando... 2 - Chuang-tsu, fazendo o mesmo...


Marx, o Groucho

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