Wednesday, May 27, 2009

Arte com função social? Não obrigada!



Imagem: Barbara Kruger consegue fazer arte e denunciar o consumismo sem usar a estética-pobreza.

Fui assistir uma exposição de arte no centro. Que lindo, que coisa sofisticada, vocês devem estar pensando. Nada disso, respondo eu, era uma dessas exposições tipo meio da rua, com um monte de gente tomando cerveja em cima de um lodinho nojento. Pode piorar? Pode! Tema social, estética favela. Gente, tinha um carrosselzinho dividido em 4 cores escrito: “preto, branco, amarelo, vermelho”...simbolizando as 4 raças!!! Ah, que metáfora sutil e inspirada. Mas o melhor vem depois. Segura a respiração, senta: na parede de um dos caixotes da favelinha metafórica estava escrito: “ coração de criança”!!!!!!!!! Aaaaahhhhh, não é lindo? Meigo... . Bom, o que dizer do resto? O chão cheio de uma terra suja, para dar a impressão de favela, enfim, a idéia da instalação era fazer você se sentir numa favela onde obviamente os habitantes imaginários deveriam ser muuuiiito piegas além de detestáveis construtores. A tal favela metafórica era bem pior que a original.
Por isso Platão cismava com os artistas: para fazer cópia da cópia não precisamos de arte!
Gente, o que fizeram daquela arte que inspirava a alma? Arte cujo objetivo é simplesmente a beleza?
Há algum tempo reclamei muito da última Bienal de artes que fui ver em Sampa. Chamei aquela de a Bienal da feiúra e ainda me lembro de um dos meus argumentos: essa mania de tema social na arte está acabando com a beleza. A estética não é mais baseada no belo e no agradável, mas na função social. Vale tudo para denunciara óbvia pobreza e desigualdade no mundo, inclusive adotar a feiúra como símbolo estético!!! É um sem fim de imagens de pobreza, desolação, favelas, crianças desnutridas... nenhum problema contra a denúncia da desigualdade, mas chamar isso de arte é uma concessão que não posso fazer. Depois quando chegamos nas mulheres fruta como símbolos sexuais ninguém entende nada. Esse é o caminho!
Arte é um dos meus assuntos prediletos, e a arte contemporânea não me passa despercebida: nomes como Barbara Kruger, Jeff Koons, Nam June Paik, e aqui no Brasil: Helio Oiticica, Leonilson. Cildo Meireles e, porque não, o maravilhoso Bispo do Rosário, esse sim usando de forma autêntica a estética da pobreza e criando uma verdadeira arte póvera ( ok gente, eu sei que este nome é específico de um movimento da Itália/ 60s)!!! Esses artistas não são presos a temáticas e criaram um belíssimo acervo de arte contemporânea. E tudo isso sem torrar nossa paciência com essa chateação de arte-com-função-social...

3 comments:

osvjor said...

Excelente como sempre, Furiosa. Mas você não acha, no caso do Oiticica, que aquela obra do "Seja herói, seja marginal" reflete um discurso contestador típico dos defensores da arte como forma de transformar a realidade, ou seja, com uma função social? Lembro que Caetano há algum tempo citou essa obra e frisou o caráter datado dela, dizendo que ela hoje não faria muito sentido, já que o marginal virou mainstream (tô citando de memória, mas acho que é mais ou menos por aí, espero não estar deturpando muito a coisa). Sou extremamente ignorante em arte, me trate como tal ao responder à minha dúvida (só não vale chute abaixo da cintura!).
abs

Anonymous said...

Bela, uma vez dei uma aula sobre a arte toscana da primeira metade do trezentos (aquela coisa linda, etérea, delicada de um Simone Martini acompanhado por sonetos de seu amigo Petrarca). Ao final da exposição, o habitual silêncio foi rompido pela pergunta de uma aluno de havaianas e shorte: "professora, qual o sentido que essas obras têm para a nossa realidade social"? Juro que não é piada: isso aconteceu mesmo. O garoto fez uma prova, passou no vestibular, e, supostamente, gosta de arte. É por essa e por outras que estou de licença!
Beijos!

A Furiosa said...

Osvjor, vc tem razão, mas Hélio usou esta temática poucas vezes, e sempre de uma forma diferente, sem cair em discursos clichê etc. Mas dessa turma que eu citei seria o mais chegado numa arte social embora com toda a certeza esta não fosse a temática dele. Obrigada pela lembrança...

Oriane