Wednesday, August 08, 2007

Esquerda, direita e fagocitose: relações semânticas...


Os meus célebres bois continuam clamando por nomes senão vejamos: que diabos, afinal, significam as expressões esquerda e direita, que tanto ouriçam as pessoas nestes tempos de mau agouro? Pesquisem a sério e encontrarão coisa boa por aí, na internet e nas bibliotecas decentes, as poucas que restam.
De modo geral, como curiosidade histórica, as pessoas têm a vaga idéia de que essa cansativa dicotomia parece ter nascido pós-revolução francesa, por conta da alocação de algumas pessoas no espaço físico da Assembléia de Asterix e Obelix, que se reunia, quase aos bofetões, para discutir o caos instalado após aquela linda carnificina que serve, ainda, de meritório exemplo a alguns desvairados que suspiram por Rousseau, um dos padrinhos daquela historinha de igualdade, fraternidade e liberdade, um grito primal que se estatelou na práxis sangrenta da massa ignara, sempre cheia de boas intenções sociais e sadismo incubado. Os girondinos de cuca mole ficavam à esquerda, os outros, que queriam esganá-los, à direita. Pronto, começou o drama...
Pois bem, depois desse início de vida lingüística banal, as expressões esquerda e direita tomaram rumos tão heterodoxos, quiçá pitorescos, que é quase impossível discursar com clareza sobre suas diferenças essenciais, tal a quantidade de sentidos que se forjaram a seu redor, escorregadios como paus de sebo, o que se deve exclusivamente à natureza camaleônica do próprio discurso esquerdista, sempre fugindo da realidade que o contradiz.
O que nos resta dessa festa é um ar de "conservadorismo" na direita e de "progressismo" na esquerda, o que não diz absolutamente nada que preste. Há coisas que precisam, sim, ser renovadas, refrescadas, mudadas, e outras, não. Há valores absolutos a preservar e outros, produtos de contingências passageiras, que devem ser revistos.
Enfim, é uma tremenda baboseira esse embate de rótulos que desaguam num beco sem saída. O correto seria, para sermos essenciais e não histéricos, uma divisão, velhíssima e claríssima, entre honestidade e sacanagem, normalidade e psicopatia, objetividade e solepcismo crônico. É fácil perceber que as diferenças passam muito mais por parâmetros filosóficos - o que é o "bem e o mal", por exemplo? - e psicológicos - o que é "normal" e "anormal"? - do que por falácias vagabundas provenientes dos vômitos da História, Sociologia e Economia, campos estreitos do conhecimento - não por acaso queridinhos da... esquerda! - que foram elevados à cretina categoria de "ciências", no âmbito do mais cínico jogo político.
Se examinarmos todos os teóricos ou, pelo menos, os mais relevantes inspiradores dos ditos movimentos esquerdistas, poderemos detectar alguns traços semânticos, comuns entre eles, que denotam um sólido quadro de significações, um recorte estável do que seria, efetivamente, um "pensamento revolucionário", o sentido final da expressão ser de esquerda.
Por que começar e terminar por aí? Simples: a direita foi inventada pela esquerda, é seu bode expiatório, seu saco de pancadas, seu inimigo figadal, seu alvo preferencial, para o qual são maliciosamente canalizados todos os rancores, inhacas, mágoas e frustrações do que eles chamam de "povo", a massa de manobra de que precisam desesperadamente para florescer, pois sem ela não podem erigir seu álibi revolucionário: revolução a favor de quem, ó pá? Cadê a fachada que encobre o meu pirão?...
Em suma, tudo que contraria o escopo ideológico da esquerda é automaticamente taxado de direita, porque há uma luta no ar, um confronto acirrado, que tem de ser nutrido, cotidianamente, para que a "revolução" faça sentido, cresça e apareça, pois dialeticamente é impossível se imaginar uma "revolução" sem antagonistas, perversos inimigos, não é mesmo? Pois bem, todos os antagonistas que "atrapalham" a chegada da esquerda ao erário - pois o fundo da questão é exatamente esta, mão no tutu ou delírio psicótico, instâncias perfeitamente humanas, gente! - têm de parecer de direita, sempre. É por esse viés que a turma esquerdopata aproveita tudo o que eles mesmos, em qualquer passado recente, crucificaram como sendo de direita, tão logo isso serva a suas ambições. Lembrem-se das alianças feitas pelo governo petralha, que tanto escandalizam as alas "radicais, puristas e fundamentalistas", do tipo Heloísa Helena.
No saco semântico da direita cabem, assim, todos os desafetos, obstáculos e pentelhos de múmia que atrapalham a ascensão do politburo. O que se deduz daí é fácil: não há uma "direita em si", exceto quando algo ou alguém resolve descer o sarrafo no "método" revolucionário de chegar ao poder, condenando um esquema de ações que passam inevitavelmente pela supressão da liberdade individual, pelo gigantismo estatal - sustentado por uma burocracia kafkaniana -, pelo engessamento da economia, pelo desrespeito à propriedade privada, pela implantação de
um estado policial eficientíssimo no controle da informação circulante, pela eleição dos fins como justificativa dos meios, pelo relativismo moral como norma partidária (o que eleva a mentira à categoria de regra de ouro), pela supressão das religiões autênticas - as puramente animistas podem favorecer, eventualmente, às manipulações popularescas do partido único - e por aí afora. Ah, tudo isso por um mundo melhor, é claro.
Se você é contra essa plataforma ideológica, você é de direita, justo porque ser de esquerda vincula-se a uma ação, enquanto ser de direita vincula-se, claramente, a uma reação, o que justificaria, vejam que engraçadinho!, a pecha de reacionário aos que não concordam com essa "pato-ideologia", responsável, direta e indiretamente, pela maior matança da História.
Quando um corpo saudável é invadido por bactérias, o organismo entra em estado de prontidão e reage contra as intrusas, mobilizando todas as suas defesas. Um hemograma mostra claramente esse reacionarismo: todos os fagócitos são de "direita", tadinhos - essa metáfora não tem o aval do Keiser Lula, por favor! Para bom entendedor, pingo é letra.

Imagem: fagocitose de uma ameba, uma prática nitidamente de direita.

Marx, o Groucho, cheio de paciência.

1 comment:

Ricardo Rayol said...

Um tratado semântico da melhor espécie. No Brasil pra mim são todos japoneses, tudo igual, e o pior que nem defender o povo defendem.